O ano passou.
Os dias passaram.
A vida passou.
E todos os dias são a repetição
Do último dia do ano,
Pois termina o dia,
Pois termina a hora,
Pois termina o minuto,
Pois termina o segundo.
O último e o primeiro dia do ano
São as repetições dos demais dias.
Nada de novo,
Nada diverso,
Nada de fato
Inovando o resto.
Quem se renova? Fico pensando,
Será preciso passar um ano
Para que haja alguma vida?
A vida passou.
E todos os dias são a repetição
Do desperdício de quem aguarda,
De quem desiste,
De quem festeja a festa triste
Que só ilude,
Que só engana.
No novo ano,
À sua cama,
Será o mesmo corpo cansado
Que se deitou no ano passado.
E você diz "que neste ano..."
Mas neste ano ainda há fome,
E neste ano ainda há ídolos,
Ainda há o despertador às cinco da manhã,
Há o pão duro na cesta do café da manhã,
Há a pressa no passo e o descompasso,
Há cores que ninguém nomeou
E há estrelas na cidade ofuscadas pela iluminação.
Há, inclusive, a escada rolando,
A bola rolando, a cabeça rolando...
E um calendário satírico trazendo esperanças.
Portanto, é espanto que os fogos no céu
Não digam nada sobre os fogos da terra,
Os fogos que se apagam dos olhos,
Os fogos que disparam das armas,
Os fogos que matam por dentro e por fora,
Os fogos que se acendem do álcool,
Estes fogos que nos desmatam
(Oh, nossa natureza tão frágil)!
Dirão que tudo sorrirá,
Por que então já não sorrir?
Quem definiu a hora exata, o momento?
E quem sorriu durante os meses,
Será que tudo foi traçado
Por mais um risco no calendário?
É mais macio pensar assim,
Que amanhã será o dia.
Que à manhã seremos inteiros.
Hoje é cedo, mas o ano passou.
Os dias passaram.
A vida passou.
E passa. E passa. E passa. E passa...