OFERTA E PROCURA

Nunca me aproveitam 

Quando me ofereço.
Acho que é possível
Que eu não valha o preço.

TROCAS REAIS

Vi em outros braços 

Desejo a nascer
E nos beijos dados
Vi algo crescer.

Vi a emoção
Das trocas reais,
Sem a incerteza
Que o receio traz.

Vi o inesperado
Se concretizar
Sem barreira alguma
Para atrapalhar.

Vi o amor presente
E o reconheci.
Mas eis meu destino:
Vi, mas não vivi.

ENTENDIMENTO

Ela diz que lê minhas poesias 

Pra pensar e entender as coisas.
Quem me dera ela lesse isso
Pra entender de uma vez por todas

Que não é preciso pensar muito
Pra saber qual é o meu desejo
E por fim beijasse minha boca
Como quem me lesse pelo beijo.

DA GÊNESE AO FIM

Nunca meus ossos apareceram tanto! 

É como se quisessem fazer par
Com as angústias tão proeminentes
Que saem do meu corpo ao respirar.

É como se eu fosse um recipiente
Acumulando dores. Não há dó.
E quando já não cabem aqui dentro,
Dissolvem com meu corpo feito pó.

E como o pó que sou, fiquei num canto.
E como o pó que sou, não há lembrete:
Fui esquecido. E quando sou lembrado,
Sou varrido pra baixo do tapete.

ALGUÉM ESPECIAL

Nós nunca somos o suficiente, 

Então nos resta ser o que sobrar,
Pois ser alguém especial é fácil,
Difícil é ver alguém te desejar.

Marcar alguém é fato inevitável,
A marca fica, você vai passar
E estará sozinho em suas carências
Enquanto outros têm a quem se dar.

Restou apenas ser lembrança viva,
Restou ser a conversa em algum bar,
Restou ser referência do passado,
Alguém especial a se evitar.

SONETO COMO BÚSSOLA QUEBRADA

Nada do que o mundo aceita tenho, 

Tudo que mais me incomoda existe,
Quase nada pode ser mais triste
Do que a existência e seu desempenho.

Quanto mais a vida exige força bruta,
Se nos fortalece, há contrapartida:
Não há força extrema que suporte a vida,
Nem sequer vitória contra esta luta.

Assim eu caminho, cada vez mais forte,
Sem a esperança de que esta sorte
Seja em si ventura contra a amargura.

Não há nada certo que nos dê um norte,
Tudo que é certeza reside na morte,
Toda resistência mora na procura.

DO RESPEITO

Respeite o poeta em silêncio, 

A poesia calada,
O verso mudo.

Nem tudo que o poeta vive
É algo que se divida
Com o mundo.

CONFORTO

Teu abraço surge 

Quando a calma urge.
Sinto sossegar

Dentro dos segundos
Poucos e profundos
Parte do pesar.

Quando o pensamento
Cheio de lamento
Pode se calar,

Agradeço ao tempo,
Pois por um momento
Pude te abraçar.

JAZZ

O mundo está ruindo em mil pedaços, 

Não há sequer um resto de esperança!
Como quem nunca pôde achar bonança,
Eu sigo tropeçando a cada passo.

Talvez não haja ao menos um abraço
Capaz de conter a destemperança
Da amargura vil que não se cansa
De preparar na estrada o cadafalso.

Porém, eu pude ouvir neste percalço
Um som a aliviar o meu cansaço,
Como quem convidasse a uma dança.

Dançar não aprendi, mas me refaço
A cada ritmo, a cada compasso:
É pelo ouvido que a alma descansa!

SONETO À COMPANHEIRA

Tão minha! Ainda firme companheira, 

Há anos me acompanha todo passo
A me envolver tão firme em seu abraço
E a acomodar minha alma por inteira,

Eu posso até sentir que achei espaço
Em meio à insistente pasmaceira
(Como quem sempre andasse só à beira
Temendo a desventura do percalço

E, enfim, pudesse ter o seu regaço)
Acomodando todo o meu cansaço
E respirando o caos que me permeia.

Tão minha, ainda firme companheira
Que em tanta desventura inda me asseia,
É minha amargura! Eterno laço!

ENTREOLHAR PANDÊMICO

O que haveria 

Por trás daquela máscara
Abaixo daqueles olhos
Que olharam nos meus olhos
Que estavam acima
Do sorriso que minha máscara
Escondeu?

INSUPERÁVEL

Poderia eu ver um milhão de estrelas, 

Mil paisagens lindas, cada alvorecer,
Todo jardim vivo pronto a florescer
E o pôr do sol reinando à minha janela;

Poderia ver a coisa mais singela
Que fosse capaz de me aparecer
A me impressionar em seu resplandecer
Por sintetizar em si mil coisas belas;

Poderia olhar o mundo além da tela
Em que foi pintado e encontrar na cena
Coisas mais bonitas do que pode haver;

E, ainda assim, nada disso supera
Toda incomparável perfeição que impera
Na plena beleza que vem de você!

DESDE ENTÃO

Algo aconteceu, mudando o que havia. 

Parece que as nuvens, imediatamente,
Abriram espaço ao sol mais reluzente,
Inspirando os ventos para a poesia!

De repente a terra que jazia fria
Fecundou de flores abruptamente,
Um jardim se fez maravilhosamente,
Perfumando os ares com nova alegria.

Uma sensação diversa me surgia,
Novo sentimento que se engrandecia,
Algo tão enorme quanto surpreendente!

O motivo claro de tanta euforia
Foi a Borboleta que voou no dia
E pousou em mim definitivamente.

VÍCIO

Ver você é como um vício 

Para o qual não quero cura,
Pois te olhar é o início
De um ciclo de candura!

Eu te vejo e nessa hora
Algo muda pra melhor:
Seu efeito em mim aflora,
Tudo passa a ter mais cor!

Antes que sua imagem fuja,
Já me ponho a esperar
Que tão logo ela ressurja
Pro meu vício sustentar.

Mas do vício não padeço,
No contrário posso crer:
Quanto mais vezes te vejo,
Mais vivo pareço ser!

MILHARES DE MOTES

Viver é perda de tempo 

Na estrada da amargura.
Que cada morte minha
Me traga maior ventura:
Um mote pra poesia,
Alívio ao que não tem cura.

A VISTA ADORÁVEL

Teu encanto é tanto e de tal jeito 

Que não canso nunca de te olhar,
Se me congelasse em tal momento,
Não ia querer descongelar!

Mas qual é o gelo que não cede
Ao calor que surge ao te ver?
E descongelado eu fico entregue
Ao fogo envolvente de teu ser.

Então que me queime, me congele,
Me derreta como sempre faz,
Pois com o arrepio em minha pele
Só quero te ver cada vez mais!

ENSAIO SOBRE A FINITUDE

A vida passa sempre mais depressa
Do que a própria pressa de viver.
Não há nenhuma experiência prévia
Capaz de nos fazer reconhecer

Que sempre fomos pó a ser disperso
E já dispersos somos desde cedo.
E quando o grão menor virar só verso,
O que fazer para encarar o medo?

Não há o que fazer senão ser pó,
Passar como poeira pelos cantos
Que em tudo deixa rastros sem ter dó
E onde passear se deixa um tanto.

Não há quem varra o pó do que nós fomos,
Não há sequer porquê da varredura.
Deixemos a poeira onde andamos
Para sermos lembranças em fartura!

O MAR E A BORBOLETA

Se o Mar acaso sopra brisa leve, 

Que efeito a Borboleta o causaria?
Quão alto cada onda alcançaria
Após um sobrevoo pleno e breve?

O que o mover das asas o faria?
O que já fez ao Mar sem que soubesse?
E o Mar, o que causou sem que pudesse
Saber o que seu vento mudaria?

Não sei dizer de fato o que acontece,
Mas tudo leva crer, ao que parece,
Que algo surpreendente ocorreria:

O Mar à Borboleta em onda cresce,
Pois cada sobrevoo o engrandece.
Assim, o Mar com ela voaria!

SATISFEITO

Nada espero, 

Nada quero,
Nada planejo.
Basta a sensação
De satisfação
Quando eu te vejo.

ABORRECIMENTO

A poesia óbvia 

Quase
Que me aborrece!
Prefiro o silêncio
Ao verso
Que não me merece.

INDIFERENÇA QUASE SÚBITA

Hoje 

Tomo tudo
Como um grande vazio.

Até a chama
Que mais me inflama
Não faz um pio,

Como se o fogo
Que em mim houvesse
Fizesse frio.

EU EXCEDO

Eu excedo. 

E ainda assim,
Escorrendo,
É como se algo
Contido
Quisesse perfurar
Por dentro
E fazer explodir
Infinito.
No fundo,
Eu acho que é isso
Que faz do que sinto
Bonito.

NÃO SEI DA IMPORTÂNCIA DE UM POETA

A forma como toco quem me cerca 

A mim ainda é pouco esclarecida.
Que marcas deixarei em minha partida?
O que minha existência hoje afeta?

Não sei o que deixei ainda em vida,
Nem sei da importância de um poeta.
Que feitos meus nesta estrada incerta
Serão memórias depois de minha ida?

Serão recompensadas as feridas?
Se, enfim, nesta existência dolorida
Alguém lembrar de mim, eis uma meta:

Ser como uma alegria incontida
Em cada poesia oferecida,
Como quem mira o peito e o acerta!

PODER

Quando verso, algo acontece, 

Não sei bem o quê, de fato.
É que algum poder inato
Neste instante me aparece.

Como se me acontecesse
Uma mutação no ato,
Eu não sei dizer, exato,
Mas é como se eu pudesse

Ter a alma que eu quisesse
E, por fim, me oferecesse
Como em íntimo contato.

Quando verso, algo acontece:
Vou além do que parece;
Sou bem mais do que eu acato!

FREQUÊNCIA

Única maneira de reconhecer 

Boas vibrações e positividade,
Só com a energia vinda do teu ser,
Só quando puder matar essa saudade!

Não há luz nenhuma até eu encontrar
O brilho do teu abraço iluminado,
Pois se falta algum clarão no caminhar,
É porque tua ausência tem o apagado.

E quando, de fato, puder te sentir
Dentro dos abraços, só neste momento,
Minha gratidão irei admitir,
Sentindo a frequência vinda de teu peito

REALIZADO

Quero te amar 

Como se ama.
Do jeito que houver,
Sem drama.
Te amar
Como eu puder,
Com o amor
Que me inflama.
Quero te amar
Como hoje amo,
Com o amor infindo
Que se trama.

E quando eu partir,
O amor será
Minha eterna cama!

AUTOESTIMA

Minha falta de autoestima 

É um problema
Infinito.
Mas hoje,

Lendo um livro,
Eu me senti bonito.

DA META

Construir o por enquanto. 

O eterno quase não existe.

VERSOS CONFORMADOS

Sou tédio.
Quando muito,
Algo médio.
Amargura
Sem remédio.

PORTA MEIO-ABERTA

A porta meio-aberta. 

Há algo que explique:
Quem quiser, que fique;
Quem se for, no pique;
Quem voltar, suplique!

POESIA PÓSTUMA X

Outra vez a terra me consome, 

Outra vez o mundo sob o corpo.
Um funeral tranquilo,
Sem lágrimas.
Apenas um pesar que há muito já existia,
Mas que o conformismo amenizara.
Outra vez o vão da cova.
Outra vez o fim do nada,
Outra vez a antiga noção
Da insignificância do alento.
Não há mais nada sob a terra,
Nem nunca houve acima dela.
Tudo um dia ruirá, de forma ou outra.
Todos os vivos, preocupados,
Desconhecem sua ignorância:
Cada preocupação, cada angústia,
Cada afeto, cada ódio, cada coisa,
Tudo existe apenas por si mesmo,
Apenas por segundos,
Apenas por enquanto,
Nada vale tão a pena
Que mereça ser enterrado
Ao fim da vida.

LEMBRETE I

Deixe o vento mudar de rumo, 

Mesmo se virar tempestade.
Não existe lugar seguro
Que não sofra adversidade.

Mas se tudo virar ruína,
Não demore uma eternidade,
Pois nenhum coração germina
Onde não há fertilidade.

SONETO IMUTÁVEL ou UMA DÉCADA DE INÍCIO

Já não posso mais lutar contra o destino,

Todo o esforço feito é vão e sempre falha!

Não há vencedor maior nesta batalha
Do que a própria vida feita em desatino.

Quanto mais tentei livrar-me deste fado
Mais minha derrota se pronunciava,
Como fosse a voz que logo anunciava
Este sentimento em mim determinado.

Hoje, consciente, vejo que meu erro
Foi como forjar em vida o próprio enterro
Ao tentar calar um fato consumado.

Mesmo que o destino altere seu conceito,
Nada há de mudar o rumo de meu peito
E, por todo tempo, ser apaixonado!

QUANDO CARREGUEI AS NUVENS

Olhei as nuvens
E quis chorar.
Basta um momento
Para voar.

POESIA BOBOCA

Tua voz me chega forte, 

Eu ouço sinos.
Eu sinto arrepios,
Vi teu rosto.
Nos belos olhos teus
Eu vi desvios
A me tirar do frio
De mil desgostos.
Senti aquilo tudo
Que está feito
E que de mim jamais
Se fez perdido:
O teu amor
A me trazer sentido;
O meu amor
A te entregar meu peito.