Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todas as poesias aqui presentes foram escritas por Mao Punk.

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Textos que expõem a fragilidade e indecência humanas de forma irônica, metafórica e sem embelezamentos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

DO RESPEITO

Respeitar minhas limitações,
Minhas fraquezas, minha falta de coragem,
Minha estupidez e meu azar.
Respeitar, enfim, meus anos de poeta.
Eis o fardo que carrego!
Minhas vontades me traem,
Não me incentivam, são tolas
E tão covardes quanto eu!
Minhas vontades me deixaram vazio.
Minhas vontades regaram ilusões.
Deram frutos. Comi-os.
Estupidamente comi-os.
Eu cultivo a amargura de uma vida inteira.
Porém, respeito-me.

Respeito-me ainda que eu me odeie.
Aprendi a conviver com o que não se cura.
E nada cura. São apenas novas feridas,
Mais ou menos profundas, mas feridas.
Sou uma ferida aberta.
Respeito-me pelo que sei, não pelo que sou.
Respeito-me pelo que a vida é.
E a vida é cheia de falhas.
A vida é uma grande falha generalizada.
Em meio às falhas, eis o fraco,
O covarde, o estúpido, o poeta.
Aprendi a respeitar meus desastres.
Respeitar-me é saber que tudo é nada.


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

POESIA PÓSTUMA III

Mais uma vez na cova escura,
Cavando mais fundo com os dentes,
Tentando engolir o que resta
Do que nunca, em tempo algum, foi.
A cova. A casa. Aquieto.
Permito-me o caos do enterro.
A hora inevitável voltou.
Sou um ponteiro para cada morte.
Agora é nova hora de morrer,
De matar em mim o que vive,
O que vive mais do que eu.
Eu estou morto. Novamente.
E que morra tudo o que trouxe comigo
Nesta tumba, neste vão,
Trincheira de guerra perdida,
Neste lar em destroços,
Neste escombro macio,
Neste canto só meu, todo meu!
A vida me testa,
Eu detesto
E atesto meu testamento:
Não busque flores nesta cova.
A vida não me foi gentil.
Eu não deixo legado,
Não deixo esperanças,
Eu deixo apenas a impressão
De que tudo passa.
Tanto já passou enquanto vivi!
E passou para não voltar.
Nem sempre voltei. Passei.
Lembranças. Apenas lembranças.
Como tudo. Tudo é isso. E isso é tudo.
Agora sou lembrança, até que ela falhe.
No mais, sou eu nesta cova,
Morto. E mais vivo que outrora.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A VÉSPERA ABSTRATA

Hoje é a véspera de um dia cheio
De falsas superações e tropeços,
De ilusões acumuladas,
A véspera do recorrente.
Hoje é a véspera do descontentamento,
A véspera de um dia como hoje,
A véspera repetitiva, tola,
A véspera de mais uma morte minha.
Hoje é a véspera do riso vão,
Das vontades reprimidas,
Dos desejos que se debatem
Na imitação dos desejos de ontem
E de hoje. Hoje: a véspera amargurada,
A véspera da amargura,
A véspera que procede um dia amargo,
A véspera. Apenas.
E de vésperas estúpidas vivemos,
Como se tudo pudesse mudar,
Pois hoje é a véspera de mudança alguma,
Amanhã será a véspera do “tudo igual”.
Ontem foi véspera – de quê mesmo? –
E ontem nada mudou.
Hoje nada muda.
Amanhã nada mudará.
E viveremos uma eterna véspera abstrata.