Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todas as poesias aqui presentes foram escritas por Mao Punk.

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Textos que expõem a fragilidade e indecência humanas de forma irônica, metafórica e sem embelezamentos.

domingo, 27 de março de 2016

VERSOS DE SAUDADES

Eu tenho saudades do que nunca tive,
Pois quase nada tive para que um dia eu pudesse perder.
Eu haveria de saber o que é saudade de alguma forma.
Todo mundo aprende em algum momento.
E foi assim que aprendi: perdendo antes de ter.

A maior parte do tempo eu sinto saudades
Do beijo que nunca dei, das trocas que nunca aconteceram,
Das lembranças que nunca existiram além da minha imaginação.
Eu tenho saudades de quando eu estava iludido.

Tenho saudades de cada momento passageiro que em mim nunca passou.
Eu tenho saudades do que sempre quis.
Eu tenho saudades do que nunca será.
E tenho saudades de quando não havia saudades.

Eu tenho saudades de versos que nunca foram escritos,
De perfumes que nunca senti, de camas em que nunca deitei,
De despedidas que nunca tive seguidas de “até mais”.
Eu tenho saudades de deitar com o corpo contente,
Com a mente tranquila, com a certeza de que há carinho.
Eu tenho saudades do que nunca tive.

Eu tenho saudades de versos recíprocos.
Eu nem sequer sei o que são versos recíprocos!
Eu tenho saudades de poesias vividas,
Vividas além dos desejos, além das impossibilidades,
Além das vontades contidas, além dos muros,
Além dos gestos inseguros, além das incertezas...

Eu tenho saudades dos sentimentos sem freios.
Apenas eu tenho sentimentos sem freios.
Eu tenho saudades dos meus sentimentos abraçados,
Abraçados inteiramente, sem impedimentos.
Eu tenho saudades de mundos mais fartos,
De ruas mais calmas, de dias mais livres,
De frio na barriga, de calor na alma.

Hoje sou morno. Não posso ser nada além disso.
E o tempo se encarrega de esfriar o que for.
Dentro de mim eu sou morno.
Mas quem confiaria? Quem saberia?
Eu sou amargurado e nunca acreditaram.

E fora a saudade, fora o que nunca tive,
Que motivos tenho para ser triste?
Sou amargurado, sim. Mas triste só quando sofro.
E claro que sofro. Mas estou bem.
Hoje é mais um dia. Amanhã outro.
A saudade é eterna, a amargura também.
Viver é passageiro. Viver é tão rápido!
E não quero ter saudades da vida. 




domingo, 13 de março de 2016

CAMILE E TAINÁ

A noite, quando chega, brada ao vento:
“Cuidado, pois reservo mil perigos”
E sem dar atenção a tal aviso,
Eu vi naquela noite o atrevimento

De duas ébrias moças pelas ruas
Que na inocência de sua pouca idade
Confiam num poeta da cidade
Que se viu preocupado com as duas.

Camile estava menos alterada,
Contava como odeia a família
Enquanto Tainá se pôs deitada

Queixando-se do efeito da bebida,
Com sua voz um pouco enfraquecida,
Após ter vomitado na calçada.


domingo, 6 de março de 2016

POESIA PÓSTUMA I

Não vivi feliz,
Mas fui feliz sempre que pude,
Também fui triste além do que quis
E fui sábio por força do acaso.
Cheguei além do que eu esperava,
Quase nunca onde eu queria,
Fiz mais coisas do que julguei,
Vivi bem mais do que eu soube
E morri mais vezes do que pensei.
Não deixo nada além de versos,
Certamente um punhado de saudade
E possivelmente algum tanto de mágoa.
Também levo comigo mais do que essas flores,
Essas flores de agora tão mais fartas
Que as poucas que recordo ganhar em vida.
Eu levo comigo as marcas que nunca sumiram,
Mas também os momentos de risos abertos.
Eu sou mais que um corpo gelado à mesa,
Eu sou a minha antologia completa e finalizada,
Eu sou o ciclo fechado do que nunca foi planejado,
Sou e fui bem mais do que enxergam.
Ninguém enxerga nada.
Eu mesmo não me via como eu era
E hoje esses olhos farão a cerimônia na terra.
Mas quem disse que é preciso ter olhos?
Para ver a essência é preciso sofrer.
O sofrimento é a visão dos prudentes.
Fui prudente o quanto pude,
Pude bem mais do que eu gostaria
E também menos do que me preparei.
Eu fui embora, mas nem por isso
Fui aquela pessoa virtuosa que dirão por aí.
Fui virtuoso, sim! Não em tudo.
Alguns relatos são ressentimentos guardados,
Outros são exageros, outros pena,
Alguns compaixão.
Eu fui embora sem perdoar muitos erros,
Não relevei atitudes dolorosas
E até o último suspirar carreguei mágoas,
Mas também carreguei amor.
E tudo que não pude perdoar,
Tudo que não quis relevar,
Toda minha aversão a quem machuca,
Serão só detalhes para quem fica,
Pois deixo de herança o amor.
Herdem-me todos e dividam!
E festejem! Festejem a partida!
Festejem com poesias, música, arte,
A quem quiser, que bebam, que façam orgias!
Mas festejem a partida!
Aqui jaz a amargura que deixou o amor viver.