Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todas as poesias aqui presentes foram escritas por Mao Punk.

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Textos que expõem a fragilidade e indecência humanas de forma irônica, metafórica e sem embelezamentos.

domingo, 5 de março de 2017

POESIA PÓSTUMA IV

Meus últimos dias nem sequer senti.
Não sei ao menos dizer quando começaram.
O fim já se anunciava, sim.
Mas como saber que era o fim?
Era a minha primeira viagem.
Somos todos viajantes de primeira e única viagem!
Mas eu não sei quando foi que embarquei.
Dias antes perdi o gosto na vida,
Talvez meses ou anos antes.
Na verdade, não me lembro quando tive gosto na vida.
Talvez uma ou duas vezes. Desvios.
Talvez fossem apenas a preparação para a morte.
Dizem que antes da morte há o bem-estar.
Mas faz tanto tempo que talvez eu nem tenha percebido
Que morri bem antes, muito antes, do que penso.

Como a vida pode doer em quem já não vive?
A morte não é descanso, é lamento.
A morte é a poesia que se escreve sem rumo,
É literatura de merda para as moscas.
Sinto que sou a única mosca em minha própria poesia.
A morte é também essa mosca insossa.
A morte é esse retrato estúpido e apagado:
A mosca, a merda, o verso que exala,
A sujeira fétida que repele, o nojo,
A ânsia de vômito pelo que já está feito.
A morte! Simplesmente a morte.
E aqui estou eu, figurando o retrato.
Talvez seja este meu retrato mais expressivo.

Eu parti. Não sei dizer quando aconteceu.
Nem posso dizer que foi de repente.
A morte nos ronda dia após dia.
Eu não sei quantas vezes já morri antes,
Mas sei que meus enterros foram silenciosos.
Sem visitas, sem lágrimas, sem vestígios.
Ninguém percebeu.
Quem dera se toda morte fosse despercebida!
Vi a morte de tantas coisas...
E fui eu o próprio coveiro. E doeu.
Talvez por isso eu tenha morrido,
Por ser a tumba das coisas importantes,
Por ser o colecionador de mortes,
Por carregar a morte dentro de mim.
Mas qual é o vivo que não carrega?

Na minha condição, eu sigo.
Já não há espaço para esperanças,
Nem sequer para muitas reclamações.
Tudo está em seu devido lugar:
As ruas, as pessoas, os carros,
Os cachorros, os gatos, os insetos,
As ilusões, as paixões, os amores,
As desesperanças, as decepções,
As poucas árvores, as praças,
As virtudes, os defeitos, as dúvidas,
Os vivos, os que pensam que vivem
E eu.
Era uma vez um reino de mortes.